Ehrlich Falcão
Ehrlich Falcão é engenheiro civil formado pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL, professor aposentado do Instituto Federal de Alagoas – IFAL, pesquisador, escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas – IHGAL, onde ocupa a Cadeira nº 51, cujo patrono é Francisco Calheiros da Graça.
Possui curso de pós-graduação em:
Especialização em Planejamento de Transportes e Engenharia de Tráfego, pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL;
Mestrado em Tecnologia, pelo CEFET-RJ;
Doutorado em Ciências da Educação, pela Universidade Tecnológica Intercontinental (UTIC) – Assunção – Paraguai.
Foi Engenheiro do Departamento de Estradas de Rodagem – DER/Al. e da Prefeitura Municipal de Maceió.
É palestrante, autor de artigos concentrados na história da cidade de Maceió, com publicações nas revistas Alexandria e do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Escreveu, recentemente, o livro Memórias de Maceió: origem, fundação e símbolos.
ANCORADOUROS DA ÁREA PORTUÁTRIA DE MACEIÓ
Com o descobrimento do Brasil em 1500, os portugueses encontraram uma nova fonte de renda, a exploração de uma espécie vegetal de tronco lenhoso abundante nas florestas litorâneas, principalmente em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Do caule, os índios extraiam uma tinta de cor avermelhada para pintar as penas de aves utilizadas na confecção de tangas e cocares. Os nativos chamavam a árvore de Ibirapitanga, que em tupi-guarani significa “árvore vermelha”; pau-brasil, para os colonizadores europeus.
As toras de pau-brasil, principal produto de exportação brasileira na época, eram levadas para os portos europeus onde eram comercializadas. O corante servia para tingir tecidos; a madeira, na fabricação de instrumentos musicais, móveis e outros utensílios domésticos. As peças produzidas, pela sua beleza, chamavam a atenção e adquiriam alto valor.
Em 1503 a Coroa Portuguesa estabeleceu o monopólio e arrendou o direito de exploração do pau-brasil a grupos de comerciantes portugueses. Os galpões para armazenamento da madeira, construídos no litoral brasileiro e protegidos por uma paliçada de toras pontiagudas, eram administrados por feitores conhecidos como “Brasileiros”[1].
Não existiam, no período pré-colonial, portos no Brasil. Os ancoradouros espalhados ao longo do litoral eram os atracadouros naturais onde os veleiros permaneciam ao largo aguardando o carregamento das toras de madeira para transportá-las para a Europa.
Na faixa litorânea da Capitania de Pernambuco, local onde depois surgiria o distrito de Jaraguá no povoado de Maceió, o embarque do pau-brasil era feito nos ancoradouros de Jaraguá e da Pajussara.
O ancoradouro da Pajussara, protegido pelos recifes de corais, com menor incidência de vento e ressacas do mar, era o preferido das embarcações. O ancoradouro de Jaraguá, de maior profundidade, mas sem proteção, era mais utilizado em tempos de calmaria. Os fundeadouros interligavam-se por um canal navegável que permitia aos veleiros a passagem entre as duas enseadas, tanto das embarcações de menor quanto as de maior calado.
Colonos de outros países, principalmente franceses, aproveitando-se da fraca vigilância portuguesa, chegavam à costa de Pernambuco e com a ajuda dos índios Caetés exploravam o pau-brasil, provocando incêndios e desmatamentos, o que era proibido pela Coroa Portuguesa. Dessa forma, para evitar o ingresso de indígenas inimigos e corsários estrangeiros no contrabando da madeira nobre, o Rei de Portugal, D. Pedro II (11/1667 a 12/1706), o Pacífico, ordenou, em 1673, o capitão-general Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça (visconde de Barbacena), Governador Geral do Brasil (1671 a 1675), a povoar o litoral sul da Capitania de Pernambuco, onde se situavam os ancoradouros de Jaraguá e Pajussara, e construir uma fortificação. No entanto, a determinação não foi cumprida pelo governador, que preferiu ocupar as margens do Rio São Francisco onde encontrava mais recursos para viver. Na época, Maceió era uma sesmaria pertencente ao Capitão Apolinário Fernandes Padilha, terras cujo primeiro sesmeiro, por doação de Gabriel Soares da Cunha[2], foi Manoel Antônio Duro, português morador na Pajussara.
Com a separação da Comarca das Alagoas da Capitania de Pernambuco, e sua transformação na Capitania de Alagoas por força do decreto do Príncipe Regente Dom João, cuja rubrica se deu no Palácio do Rio de Janeiro em 16 de setembro de 1817, foi nomeado seu governador o português Sebastião Francisco de Mello e Póvoas (01/1819 a 01/1822), que chegou a Maceió no dia 27 de dezembro de 1818, onde desembarcou no ancoradouro de Jaraguá.
Como não conhecia a região que ia administrar, Melo e Póvoas, por sugestão do funcionário da Fazenda Real, Floriano Vieira da Costa Delgado Perdigão, instalou sua residência e os serviços administrativos na Boca de Maceió, sede da recém-criada Vila[3], principal centro comercial da comarca; e as repartições aduaneiras em Jaraguá, distrito favorecido pelo seu porto natural com melhores condições para atracamento dos navios e registro de maior volume de mercadorias para exportação; garantindo, assim, a arrecadação de mais impostos para a Fazenda Nacional.
Dentre as primeiras providências tomadas pelo governador, destaca-se a fortificação dos ancoradouros da Pajussara e de Jaraguá. A fortaleza, que recebeu o nome de Forte de São Pedro em homenagem ao Príncipe Regente, que depois se tornaria o Imperador do Brasil, D. Pedro I (1822 a 1831), foi construída na divisa entre as duas enseadas.
Considerado inútil e dispendioso, o forte foi demolido na década de 1830. Vestígios de sua existência foram encontrados quando dos serviços executados em um galpão (ficava onde hoje se encontra o prédio da administração do Porto de Jaraguá) que foi reformado para abrigar a Escola de Aprendizes Marinheiros. A festa de inauguração da edificação se deu no dia 07 de setembro de 1897.
O litoral da Capitania das Alagoas, com seu território antes coberto pela Mata Atlântica, era considerado pela Coroa Portuguesa como reserva nacional. Sua flora continha espécies com qualidades próprias para a construção e manutenção de embarcações mercantes e de guerra. Assim, o Rei D. João VI, em Carta Régia de 30 de novembro de 1818, autorizou Melo e Póvoas a criar um estabelecimento de construção naval para execução de uma corveta[4].
Póvoas escolheu a enseada da Pajussara e autorizou a implantação de um estaleiro, o primeiro da Capitania de Alagoas. Na doca, sob a direção do Mestre Ângelo Dias Gomes, foi construída a Corveta Rainha Carlota. O navio, ainda em fase de construção, foi incorporado às Forças Brasileiras com o nome “Corveta Maceió”, em homenagem à capital da província onde ele havia sido produzido. Sua conclusão se deu no ano de 1823. Dispondo de uma bateria com 18 canhões, a embarcação tinha as seguintes dimensões: 24,38 m de comprimento e 8,68 m de boca. No mesmo estaleiro, em 1828, foi construído outro navio de guerra, o Brigue-Barca São Cristóvão.
A Corveta Maceió fez parte da esquadra do Brasil Império. Teve participação na Guerra Cisplatina (1825 a 1828), conflito armado que aconteceu entre Brasil e Argentina pela posse da província de mesmo nome, região que atualmente constitui o território do país Uruguai. Durante um confronto, o navio sofreu avarias e naufragou em novembro de 1827 na costa da Patagônia.
Na Enseada de Jaraguá, anos depois, foi construído um estaleiro de onde saíram várias embarcações, inclusive o vapor “Alagoano”. A embarcação, pesando 138 t, tinha casco de madeiro e ferro e possuía uma máquina térmica com potência de 30 CV. Ela foi utilizada pela Companhia Bahiana de Navegação para fazer o transporte de passageiros e cargas nas Lagoas do Norte (Mundaú) e do Sul (Manguaba). A viagem experimental ocorreu no dia 27 de agosto de 1868.
No final do Século XIX começou a funcionar no sul do país grandes estaleiros com tecnologias mais avançadas. A maior capacidade de produção e produtividade dessas indústrias levou os estaleiros de Alagoas e do Nordeste a pararem de produzir grandes embarcações, passando a fabricar, de forma artesanal, apenas as de pequeno porte.
Desativado o estaleiro da Pajussara, o terreno foi ocupado pela Fábrica de Sabão Dois Irmãos em 1871. A área onde funcionou o estaleiro de Jaraguá, bem imóvel da União, foi cedido à Associação Comercial de Maceió para construção do seu prédio sede. O edifício, inaugurado em 16 de junho de 1928, patrimônio histórico de Alagoas, impressiona, por sua imponência e beleza arquitetônica, não só os maceioenses, mas também àqueles que visitam a Cidade de Maceió.
O antigo ancoradouro de Jaraguá sofreu sua primeira transformação no início da década de 1820 com a construção do primeiro trapiche, passando à condição de porto sob a responsabilidade da Câmara de Vereadores da Vila de Maceió. Ainda nesse período, com o Decreto de 13 de julho de 1820, ficou sob a competência da Repartição da Marinha; em seguida sob a responsabilidade da Capitania dos Portos de Alagoas (CPAL), órgão criado pelo Decreto Imperial nº 539, de 03 de outubro de 1847. Em 1873 o Porto de Jaraguá foi transferido para o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
Os trapiches construídos em Jaraguá na praia de mesmo nome, dependência da Repartição da Marinha, eram unidades de operação portuária com acesso direto ao mar. Essas instalações possuíam um depósito para armazenagem, guarda e proteção das mercadorias, além de pontes, geralmente de madeira, que eram utilizadas para acostagem, carregamento e descarregamento de pequenas embarcações que faziam o transporte das mercadorias e passageiros entre os trapiches e os navios que ficavam fundeados ao largo.
Na década de 1870, com o processo natural de sedimentação da areia em camadas e consequente redução da lâmina d’água, o ancoradouro da Pajussara tornou-se impróprio para os navios de maior peso, com riscos de ficarem encalhados. Dessa forma, o movimento no porto de Jaraguá aumentou e o distrito se transformou no principal centro de abastecimento e distribuição de mercadorias da Vila de Maceió.
Porém, no porto de Jaraguá, sem dique ou cais e em mar aberto, as embarcações que lançassem âncora em tempos de mar agitado e fortes ventos corriam sérios riscos de serem danificadas, principalmente as de menor peso. A falta do cais não permitia a ancoragem, dificultando os trabalhos de carga e descarga e os navios eram obrigados a se manterem ao largo. Nas pontes dos trapiches, de frágil estrutura, os veleiros, mesmos os de menor peso, não podiam atracar.
Em 1874, com o objetivo de melhorar o Ancoradouro da Pajussara e o Porto de Jaraguá, a Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas autorizou os primeiros estudos. Os trabalhos, realizados pelo engenheiro austríaco Andréas Lebin Cernadack, designado pelo Ministro José Fernandes da Costa Pereira Junior (01/1873 a 06/1875), foram iniciados no dia 04 de setembro e concluídos no final daquele ano com o levantamento geral da costa das duas enseadas.
Em seu relatório, o engenheiro confirmou o assoreamento da bacia da enseada da Pajussara e do canal de interligação, descartando, pelas dificuldades de se conter o acúmulo de sedimentos, os serviços de dragagem. Como solução para as questões de proteção do porto de Jaraguá e ancoragem dos navios, ele sugeriu a construção de um quebra-mar sobre os recifes e um cais de acostagem ao longo do litoral. Obras que foram orçadas em 7.700:000$000 (sete mil e setecentos contos de réis).
Porém, em 1875, o engenheiro inglês John Hawkshaw, especialista em obras hidráulicas e que havia sido contratado pelo Governo para estudar diversos portos no Brasil, sugeriu algumas mudanças no plano apresentado por Cernadack para construção do porto na enseada de Jaraguá:
construção de um molhe (para evitar o assoreamento) enraizado na costa;
construção do quebra mar curvo, com 1.300 m de comprimento, interligado ao molhe.
Com a aprovação dos estudos, o Presidente Provisório do Brasil, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (15/11/1889 a 23/11/1891), assinou no dia de 18 de outubro de 1890 o Decreto nº 904 concedendo aos capitalistas Engenheiro Luiz Felipe Alves da Nóbrega e Carlos Dias de Oliveira o direito de construção e uso do Porto de Jaraguá. O período de concessão seria de 90 anos, com garantia de juros de 6% ao ano, durante 30 anos, sobre o capital fixado.
Os concessionários, porém, decidiram transferir os direitos e obrigações para a Companhia Industrial e de Construcções Hydraulicas, empresa com sede na capital federal e da qual eram acionistas.
Tendo em vista as mudanças feitas no projeto pela firma construtora, o Vice-presidente da República, no exercício do cargo de presidente (Marechal Deodoro havia renunciado), Marechal Floriano Peixoto (23/11/1891 a 15/11/1894), respaldado no parecer favorável do Engenheiro Manoel Candido da Rocha Andrade, técnico responsável pela análise, assinou o Decreto nº 808, de 04 de maio de 1892, aprovando o novo projeto e orçamento.
Na época, a política econômica afetava a economia do Brasil[5]. A empresa não conseguiu formar capital para iniciar a obra e terminou negociando a concessão com a The National Brazilian Harbour Company, Limited, entidade organizada em Londres, na Inglaterra, por um sindicato de banqueiros e capitalistas de Londres e Paris.
Mas, no ato da aprovação dos planos e orçamento com a nova empresa, o governo modificou a cláusula que tratava do pagamento dos juros. A recompensa de 6% sobre o capital, prevista no contrato de transferência (Decreto nº 2.364, de 19 de outubro de 1896) para todas as operações feitas no exterior, que deveria ser paga em ouro, foi alterada para ser em moeda nacional (réis), gerando discordâncias entre a empresa e o Governo Federal, culminando com a rescisão do contrato e a necessidade de contração de outra firma para construção do cais do porto de Maceió.
À medida em que o tempo, para solução da questão, se passava, a situação do porto de Jaraguá ficava mais difícil. Em 1927 um banco de areia se formou na entrada do porto impedindo o acesso dos navios nas vazantes, mesmo os de médio calado. No ano seguinte, na noite do dia 25 de julho, um violento temporal desabou sobre Maceió com registros de vários sinistros marítimos: naufrágios de alvarengas e outras embarcações, perdas de mercadorias, marinheiros desaparecidos e danos nas pontes dos trapiches. Os prejuízos só não foram maiores porque algumas embarcações conseguiram se abrigar no ancoradouro da Pajussara.
Tantos males e perdas repercutiram profundamente no seio da população e a imprensa voltou a cobrar melhorias no Porto de Jaraguá. O Presidente da República Washington Luís Pereira de Souza (11/1926 a 10/1930), conforme noticiou o Diário de Pernambuco (1928, p. 2) em sua edição do dia 09 de agosto, ao tomar conhecimento dos últimos acontecimentos, afirmou categoricamente em relação à construção do cais: “Far-se-á!”.
Porém, um golpe de Estado destituiu o presidente no dia 24 de outubro de 1930. O movimento, articulado nos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, impediu a posse do candidato eleito Júlio Prestes, apoiado por Washington Luís, sob alegação de fraude eleitoral. O líder da revolução e candidato derrotado nas eleições para presidente, Getúlio Dornelles Vargas, assumiu a chefia do Governo Provisório com amplos poderes. Revogou a Constituição de 1891, governou por decretos e nomeou seus aliados para interventores nos estados brasileiros.
O Capitão do Exército Tasso de Oliveira Tinoco, que assumiu o cargo de interventor em Alagoas no dia 31 de outubro de 1931, ao tomar conhecimento das necessidades do Estado, conseguiu junto ao Ministro da Viação e Obras Públicas, José Américo de Almeida (11/1930 a 07/1934), retomar os estudos para as obras de melhoramento do Porto de Maceió.
O ministro, com parecer favorável do Departamento Nacional de Portos e Navegação – DNPN, aprovou em setembro de 1932 as novas instruções para realização dos estudos nas enseadas de Jaraguá e Pajussara.
O anteprojeto, elaborado pelo Engenheiro Cândido Lucas Gafreé e entregue em maio de 1933, foi convertido em projeto final de engenharia pelo DNPN. O local determinado para construção do porto seria a enseada da Pajussara. Os resultados dos estudos geológicos apontaram a inexistência de solo duro, facilitando a dragagem com menor custo.
O projeto previa a execução dos seguintes serviços:
Dragagem da bacia de ancoragem da Pajussara nas dimensões: 7,00 m de profundidade, 600,00 m de extensão e 500,00 m de largura;
Execução de um canal de acesso com no mínimo 100,00 m de largura no fundo;
Construção, sobre os corais, de 2 quebra-mares para abrigo da bacia. O primeiro, com extensão de 2.640,00 m, para proteger dos ventos nordeste e sudeste, partiria dos recifes da Ponta Verde e atingiria a ponta sul do recife da Barreta; o segundo, com extensão de 1.000,00 m para abrigar dos ventos sudoeste, iniciava no Recife da Marinha e atingiria o lado sul da Pajussara;
Para transportar as pedras que seriam utilizadas na construção do molhe[6] leste, foi sugerido, também, a construção de uma linha férrea, com 3,5 Km de extensão, ligando a linha da Great Western à Ponta Verde.
O projeto e orçamento das obras para instalação do porto, no valor de 11.998:000$000 (onze mil novecentos e noventa e oito contos de réis), foram aprovados pelo Decreto nº 23.458, de 16 de novembro de 1933, assinado pelo Presidente da República Getúlio Vargas.
O presidente também assinou na mesma data o Decreto nº 23.459 concedendo ao Estado de Alagoas, nos termos da Lei nº 1.746, de 12 de outubro de 1869, autorização para realizar as obras e o aparelhamento do porto de Maceió, bem como a exploração do tráfego durante o prazo de sessenta anos.
Além do projeto para construção do cais na enseada da Pajussara, o Departamento Nacional Portos e Navegação, por sugestão do consultor técnico do Ministério da Viação e Obras Públicas, elaborou um projeto para execução do porto na enseada de Jaraguá. Decisão tomada porque a bacia de ancoragem de Jaraguá tinha maior profundidade e era menos suscetível ao assoreamento.
O projeto para execução do porto em Jaraguá e o orçamento no valor de 15.000:000$000 (quinze contos de réis) foram aprovados pelo Decreto nº 23.613, de 20 de dezembro de 1933, assinado pelo Presidente da República. O mesmo decreto alterou a cláusula VI do Decreto nº 23.459, estendendo os melhoramentos do porto não somente ao projeto aprovado pelo decreto nº 23.458, de 16 de novembro de 1933, mas a qualquer outro que fosse aprovado pelo governo.
No dia 11 de outubro de 1934 realizou-se, no Departamento Nacional de Portos, a abertura da concorrência com o recebimento das cartas-propostas. Concorreram as seguintes firmas: Christian & Nielsen, Companhia Geral de Obras e Construcções S. A. (GEOBRA) e o consórcio constituído pelas empresas Companhia de Mineração e Metalurgia Brasil (COBRASIL) e Construcções Civis e Hydraulicas (CIVILHIDRO).
Decorridos 5 dias da abertura da concorrência, a comissão julgadora deu como vencedora para construção do porto na enseada da Pajussara a única firma concorrente representada pelo consórcio Companhia de Mineração e Metallurgia Brasil (COBRASIL) e Construcções Civis e Hydraulicas (CIVILHIDRO), e para construção na enseada de Jaraguá a Companhia Geral de Obras e Construcções S. A. (GEOBRA).
Coube ao Interventor Osman Loureiro decidir sobre o local para construção do cais do porto. O interventor, aconselhado por engenheiros, decidiu pela implantação da estrutura de proteção do porto e atracação dos navios na bacia da enseada de Jaraguá, por ser mais profunda e menos suscetível ao assoreamento.
Finalmente, no dia 17 de fevereiro de 1936 as obras de construção do porto tiveram início. A inauguração do porto de Jaraguá se deu na manhã do dia 20 de outubro de 1940 pelo Presidente Getúlio Vargas em companhia do Interventor Osman Loureiro, do Diretor-presidente da GEOBRA, Engenheiro Raja Gablagia; membros do Governo Estadual, da Sociedade e populares. Contudo, por falta dos equipamentos portuários, o cais, oficialmente, só começou a operar em 23 de janeiro de 1942 com o primeiro embarque de açúcar.
Vale a pena relembrar, conforme registrou o jornal Diário Carioca (1939, p. 6), em sua edição 16 de fevereiro, as palavras do General Lobato Filho, comandante da 7ª Região Militar e Guarnição do Estado de Pernambuco, que aqui esteve em fevereiro de 1939 e foi visitar as obras do Porto de Jaraguá:
A impressão que se tem de uma visita às obras do Porto de Maceió é a de um trabalho de titãs. Em toda parte os engenheiros hidráulicos têm dado combate ao mar nas margens e nas enseadas. Em Maceió esses bravos foram lutar com o mar em pleno oceano. É obra de mais audácia até mesmo que a obra do Porto do Rio Grande, na franca opinião de diletantes ou de turistas. E que beleza de ordem e precisão nos trabalhos! Quanto ao alcance comercial e econômico da obra, pode-se dizer que o aparelhamento do Porto de Maceió constitui a chave do progresso de Alagoas.
Lamentavelmente, por falta de manutenção e conservação, o porto, 15 anos após a sua construção, encontrava-se em estado deplorável. No início da década de 1960, as condições de carga e descarga assim como a acostagem dos navios eram tão precárias que surgiram, pela imprensa, notícias de que a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE cogitava em acabar ou diminuir o movimento no porto com sua transferência para Recife, em Pernambuco.
A reconstrução do porto teve início em agosto de 1966 no governo do Presidente Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (04/1964 a 03/1967). Era administrador do Porto de Maceió o Engenheiro Antônio Mário Mafra (1963 a 1976), coube à Construtora Engenharia, Comércio e Indústria S/A – ECISA a responsabilidade das obras.
No transcorrer dos anos, o porto passou por reformas e ampliações. Em 1974 foram implantados o Terminal Açucareiro e o novo Cais Comercial. Recebeu novo acesso rodoviário, enrocamento externo e uma rede de energia elétrica em 1978. Em 2011 foi construído o Cais de Contêineres (atual Cais de Múltiplo Uso), prolongou-se o Cais Comercial em 80 metros conectando-se à extremidade norte do Terminal Açucareiro, formando uma dársena[7] com 350 metros de extensão.
Em dezembro de 2021, o Porto de Maceió inaugurou e colocou em operação um novo Terminal de Passageiros. Os trabalhos foram realizados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). O local, com área total de 1.668,13 m², foi equipado para oferecer conforto e infraestrutura adequada aos turistas de navios de cruzeiro.
O porto de Jaraguá, marco histórico na economia de Alagoas, hoje vinculado à Companhia Docas do Rio Grande do Norte – CODERN, além do movimentar toneladas de carga de granéis sólidos (principalmente açúcar ensacado), líquidos (petróleo e derivados) e carga em geral, também se destaca pelo desembarque de turistas dos cruzeiros marítimos. Além disso, com a implantação da fábrica de equipamentos para plataforma de petróleo, instalada no Polo Multifabril Industrial José Aprígio Vilela, em Marechal Deodoro, o Porto se inseriu no segmento offshore[8].
BIBLIOGRAFIA
Administração do Porto de Maceió – APMC. Artigo disponível em:
https://codern.com.br/wp-content/uploads/2020/12/RG.4000.01-REGULAMENTO-DEEXPLORA%C3%87%C3%83O-DO-PORTO-DE-MACEI%C3%93.pdf. Acesso em 25 de outubro de 2022.
A lucrativa exploração do pau-brasil na américa portuguesa. Artigo disponível na Internet em: http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/exploracao-do-pau-brasil/ – Blog: Ensinar História – Joelza Ester Domingues.
Almanaque da Província das Alagoas, ano de 1875.
Carta Régia de 30 de novembro de 1818.
CONFEA. Antônio Mário Mafra. Disponível em: https://www.confea.org.br/antoniomario-mafra. Acesso em 24 de outubro de 2022.
Decreto de 16 de setembro de 1817.
Diário Carioca, anno VII, número 1914, Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1934.
Diário Carioca, anno XII, número 3280, Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 1939.
Diário de Pernambuco, anno 110, número 27, Recife, 01 de fevereiro de 1935.
Diário de Pernambuco, anno 110, número 38, Recife, 14 de fevereiro de 1935.
Diário de Pernambuco, anno 1152, número 110, Recife, 20 de junho de 1935.
Diário de Pernambuco, anno 111, número 2, Recife, 19 de fevereiro de 1936.
Forte de São Pedro de Jaraguá. Artigo disponível na Internet em:
http://www.portugalweb.net/portugalnomundo/america/alagoas/fspj.htm, acesso em: 09/11/2017.
História de Alagoas. Jaraguá, a enseada das canoas, artigo disponível na Internet em: http://www.historiadealagoas.com.br/jaragua-a-enseada-das-canoas.html, acesso em: 30/01/2018.
Info Escola. Exploração do Pau-Brasil. Artigo disponível na Internet em: https://www.infoescola.com/historia/exploracao-do-pau-brasil/, acesso em: 22/02/2018.
Jornal A Noite, anno XXV, número 8346, Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 1935.
Jornal de Alagoas, anno 26, número 263, Maceió, 23 de novembro de 1933.
Jornal Folha da Manhã, anno XVI, número 5.101, São Paulo, 22 de outubro de 1940.
Jornal Gutenberg, anno XVI, número 194, Maceió, 10 de setembro de 1897.
Mensagem do Governador do Estado de Alagoas, Pedro da Costa Rego, ao Congresso
Legislativo, lido na abertura da 1a sessão ordinária da 18a legislatura, 1925, Maceió : Imprensa Official, 1925.
Portos e Navios. Porto de Maceió coloca em operação novo terminal de passageiros.
Artigo disponível em: https://www.portosenavios.com.br/noticias/portos-e- logistica/porto-de-maceio-coloca-em-operacao-novo-terminal-de-passageiros. Acesso em 2 de outubro de 2022.
Portos e Navios. Alagoas e a chance com a indústria naval. Disponível em: https://www.portosenavios.com.br/noticias/ind-naval-e-offshore/alagoas-e-a-chancecom-a-industria-naval. Acesso em 26 de outubro de 2027.
Revista Marítima Brasileira. Anno XLV, número 10, abril de 1926.
Revista Marítima Brasileira. Volume 118, números 1/3, de janeiro/março de 1998.
Revista da Semana, número 26, Rio de Janeiro, 30 de junho de 1956.
SANTOS, Fabiano Vilaça dos. Além da anedota. Uma revisão da trajetória do governador Sebastião Francisco de Melo e Póvoas. Disponível na Internet em: http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/342/342, acesso em:26/10/2017.
Wikipédia. Forte de São Pedro de Jaraguá, artigo disponível na Internet em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Forte_de_S%C3%A3o_Pedro_de_Jaragu%C3%A1, acesso em: 28/11/2017.
ANCORADOUROS DA ÁREA PORTUÁTRIA DE MACEIÓ
Com o descobrimento do Brasil em 1500, os portugueses encontraram uma nova fonte de renda, a exploração de uma espécie vegetal de tronco lenhoso abundante nas florestas litorâneas, principalmente em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Do caule, os índios extraiam uma tinta de cor avermelhada para pintar as penas de aves utilizadas na confecção de tangas e cocares. Os nativos chamavam a árvore de Ibirapitanga, que em tupi-guarani significa “árvore vermelha”; pau-brasil, para os colonizadores europeus.
As toras de pau-brasil, principal produto de exportação brasileira na época, eram levadas para os portos europeus onde eram comercializadas. O corante servia para tingir tecidos; a madeira, na fabricação de instrumentos musicais, móveis e outros utensílios domésticos. As peças produzidas, pela sua beleza, chamavam a atenção e adquiriam alto valor.
Em 1503 a Coroa Portuguesa estabeleceu o monopólio e arrendou o direito de exploração do pau-brasil a grupos de comerciantes portugueses. Os galpões para armazenamento da madeira, construídos no litoral brasileiro e protegidos por uma paliçada de toras pontiagudas, eram administrados por feitores conhecidos como “Brasileiros”[1].
Não existiam, no período pré-colonial, portos no Brasil. Os ancoradouros espalhados ao longo do litoral eram os atracadouros naturais onde os veleiros permaneciam ao largo aguardando o carregamento das toras de madeira para transportá-las para a Europa.
Na faixa litorânea da Capitania de Pernambuco, local onde depois surgiria o distrito de Jaraguá no povoado de Maceió, o embarque do pau-brasil era feito nos ancoradouros de Jaraguá e da Pajussara.
O ancoradouro da Pajussara, protegido pelos recifes de corais, com menor incidência de vento e ressacas do mar, era o preferido das embarcações. O ancoradouro de Jaraguá, de maior profundidade, mas sem proteção, era mais utilizado em tempos de calmaria. Os fundeadouros interligavam-se por um canal navegável que permitia aos veleiros a passagem entre as duas enseadas, tanto das embarcações de menor quanto as de maior calado.
Colonos de outros países, principalmente franceses, aproveitando-se da fraca vigilância portuguesa, chegavam à costa de Pernambuco e com a ajuda dos índios Caetés exploravam o pau-brasil, provocando incêndios e desmatamentos, o que era proibido pela Coroa Portuguesa. Dessa forma, para evitar o ingresso de indígenas inimigos e corsários estrangeiros no contrabando da madeira nobre, o Rei de Portugal, D. Pedro II (11/1667 a 12/1706), o Pacífico, ordenou, em 1673, o capitão-general Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça (visconde de Barbacena), Governador Geral do Brasil (1671 a 1675), a povoar o litoral sul da Capitania de Pernambuco, onde se situavam os ancoradouros de Jaraguá e Pajussara, e construir uma fortificação. No entanto, a determinação não foi cumprida pelo governador, que preferiu ocupar as margens do Rio São Francisco onde encontrava mais recursos para viver. Na época, Maceió era uma sesmaria pertencente ao Capitão Apolinário Fernandes Padilha, terras cujo primeiro sesmeiro, por doação de Gabriel Soares da Cunha[2], foi Manoel Antônio Duro, português morador na Pajussara.
Com a separação da Comarca das Alagoas da Capitania de Pernambuco, e sua transformação na Capitania de Alagoas por força do decreto do Príncipe Regente Dom João, cuja rubrica se deu no Palácio do Rio de Janeiro em 16 de setembro de 1817, foi nomeado seu governador o português Sebastião Francisco de Mello e Póvoas (01/1819 a 01/1822), que chegou a Maceió no dia 27 de dezembro de 1818, onde desembarcou no ancoradouro de Jaraguá.
Como não conhecia a região que ia administrar, Melo e Póvoas, por sugestão do funcionário da Fazenda Real, Floriano Vieira da Costa Delgado Perdigão, instalou sua residência e os serviços administrativos na Boca de Maceió, sede da recém-criada Vila[3], principal centro comercial da comarca; e as repartições aduaneiras em Jaraguá, distrito favorecido pelo seu porto natural com melhores condições para atracamento dos navios e registro de maior volume de mercadorias para exportação; garantindo, assim, a arrecadação de mais impostos para a Fazenda Nacional.
Dentre as primeiras providências tomadas pelo governador, destaca-se a fortificação dos ancoradouros da Pajussara e de Jaraguá. A fortaleza, que recebeu o nome de Forte de São Pedro em homenagem ao Príncipe Regente, que depois se tornaria o Imperador do Brasil, D. Pedro I (1822 a 1831), foi construída na divisa entre as duas enseadas.
Considerado inútil e dispendioso, o forte foi demolido na década de 1830. Vestígios de sua existência foram encontrados quando dos serviços executados em um galpão (ficava onde hoje se encontra o prédio da administração do Porto de Jaraguá) que foi reformado para abrigar a Escola de Aprendizes Marinheiros. A festa de inauguração da edificação se deu no dia 07 de setembro de 1897.
O litoral da Capitania das Alagoas, com seu território antes coberto pela Mata Atlântica, era considerado pela Coroa Portuguesa como reserva nacional. Sua flora continha espécies com qualidades próprias para a construção e manutenção de embarcações mercantes e de guerra. Assim, o Rei D. João VI, em Carta Régia de 30 de novembro de 1818, autorizou Melo e Póvoas a criar um estabelecimento de construção naval para execução de uma corveta[4].
Póvoas escolheu a enseada da Pajussara e autorizou a implantação de um estaleiro, o primeiro da Capitania de Alagoas. Na doca, sob a direção do Mestre Ângelo Dias Gomes, foi construída a Corveta Rainha Carlota. O navio, ainda em fase de construção, foi incorporado às Forças Brasileiras com o nome “Corveta Maceió”, em homenagem à capital da província onde ele havia sido produzido. Sua conclusão se deu no ano de 1823. Dispondo de uma bateria com 18 canhões, a embarcação tinha as seguintes dimensões: 24,38 m de comprimento e 8,68 m de boca. No mesmo estaleiro, em 1828, foi construído outro navio de guerra, o Brigue-Barca São Cristóvão.
A Corveta Maceió fez parte da esquadra do Brasil Império. Teve participação na Guerra Cisplatina (1825 a 1828), conflito armado que aconteceu entre Brasil e Argentina pela posse da província de mesmo nome, região que atualmente constitui o território do país Uruguai. Durante um confronto, o navio sofreu avarias e naufragou em novembro de 1827 na costa da Patagônia.
Na Enseada de Jaraguá, anos depois, foi construído um estaleiro de onde saíram várias embarcações, inclusive o vapor “Alagoano”. A embarcação, pesando 138 t, tinha casco de madeiro e ferro e possuía uma máquina térmica com potência de 30 CV. Ela foi utilizada pela Companhia Bahiana de Navegação para fazer o transporte de passageiros e cargas nas Lagoas do Norte (Mundaú) e do Sul (Manguaba). A viagem experimental ocorreu no dia 27 de agosto de 1868.
No final do Século XIX começou a funcionar no sul do país grandes estaleiros com tecnologias mais avançadas. A maior capacidade de produção e produtividade dessas indústrias levou os estaleiros de Alagoas e do Nordeste a pararem de produzir grandes embarcações, passando a fabricar, de forma artesanal, apenas as de pequeno porte.
Desativado o estaleiro da Pajussara, o terreno foi ocupado pela Fábrica de Sabão Dois Irmãos em 1871. A área onde funcionou o estaleiro de Jaraguá, bem imóvel da União, foi cedido à Associação Comercial de Maceió para construção do seu prédio sede. O edifício, inaugurado em 16 de junho de 1928, patrimônio histórico de Alagoas, impressiona, por sua imponência e beleza arquitetônica, não só os maceioenses, mas também àqueles que visitam a Cidade de Maceió.
O antigo ancoradouro de Jaraguá sofreu sua primeira transformação no início da década de 1820 com a construção do primeiro trapiche, passando à condição de porto sob a responsabilidade da Câmara de Vereadores da Vila de Maceió. Ainda nesse período, com o Decreto de 13 de julho de 1820, ficou sob a competência da Repartição da Marinha; em seguida sob a responsabilidade da Capitania dos Portos de Alagoas (CPAL), órgão criado pelo Decreto Imperial nº 539, de 03 de outubro de 1847. Em 1873 o Porto de Jaraguá foi transferido para o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
Os trapiches construídos em Jaraguá na praia de mesmo nome, dependência da Repartição da Marinha, eram unidades de operação portuária com acesso direto ao mar. Essas instalações possuíam um depósito para armazenagem, guarda e proteção das mercadorias, além de pontes, geralmente de madeira, que eram utilizadas para acostagem, carregamento e descarregamento de pequenas embarcações que faziam o transporte das mercadorias e passageiros entre os trapiches e os navios que ficavam fundeados ao largo.
Na década de 1870, com o processo natural de sedimentação da areia em camadas e consequente redução da lâmina d’água, o ancoradouro da Pajussara tornou-se impróprio para os navios de maior peso, com riscos de ficarem encalhados. Dessa forma, o movimento no porto de Jaraguá aumentou e o distrito se transformou no principal centro de abastecimento e distribuição de mercadorias da Vila de Maceió.
Porém, no porto de Jaraguá, sem dique ou cais e em mar aberto, as embarcações que lançassem âncora em tempos de mar agitado e fortes ventos corriam sérios riscos de serem danificadas, principalmente as de menor peso. A falta do cais não permitia a ancoragem, dificultando os trabalhos de carga e descarga e os navios eram obrigados a se manterem ao largo. Nas pontes dos trapiches, de frágil estrutura, os veleiros, mesmos os de menor peso, não podiam atracar.
Em 1874, com o objetivo de melhorar o Ancoradouro da Pajussara e o Porto de Jaraguá, a Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas autorizou os primeiros estudos. Os trabalhos, realizados pelo engenheiro austríaco Andréas Lebin Cernadack, designado pelo Ministro José Fernandes da Costa Pereira Junior (01/1873 a 06/1875), foram iniciados no dia 04 de setembro e concluídos no final daquele ano com o levantamento geral da costa das duas enseadas.
Em seu relatório, o engenheiro confirmou o assoreamento da bacia da enseada da Pajussara e do canal de interligação, descartando, pelas dificuldades de se conter o acúmulo de sedimentos, os serviços de dragagem. Como solução para as questões de proteção do porto de Jaraguá e ancoragem dos navios, ele sugeriu a construção de um quebra-mar sobre os recifes e um cais de acostagem ao longo do litoral. Obras que foram orçadas em 7.700:000$000 (sete mil e setecentos contos de réis).
Porém, em 1875, o engenheiro inglês John Hawkshaw, especialista em obras hidráulicas e que havia sido contratado pelo Governo para estudar diversos portos no Brasil, sugeriu algumas mudanças no plano apresentado por Cernadack para construção do porto na enseada de Jaraguá:
construção de um molhe (para evitar o assoreamento) enraizado na costa;
construção do quebra mar curvo, com 1.300 m de comprimento, interligado ao molhe.
Com a aprovação dos estudos, o Presidente Provisório do Brasil, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (15/11/1889 a 23/11/1891), assinou no dia de 18 de outubro de 1890 o Decreto nº 904 concedendo aos capitalistas Engenheiro Luiz Felipe Alves da Nóbrega e Carlos Dias de Oliveira o direito de construção e uso do Porto de Jaraguá. O período de concessão seria de 90 anos, com garantia de juros de 6% ao ano, durante 30 anos, sobre o capital fixado.
Os concessionários, porém, decidiram transferir os direitos e obrigações para a Companhia Industrial e de Construcções Hydraulicas, empresa com sede na capital federal e da qual eram acionistas.
Tendo em vista as mudanças feitas no projeto pela firma construtora, o Vice-presidente da República, no exercício do cargo de presidente (Marechal Deodoro havia renunciado), Marechal Floriano Peixoto (23/11/1891 a 15/11/1894), respaldado no parecer favorável do Engenheiro Manoel Candido da Rocha Andrade, técnico responsável pela análise, assinou o Decreto nº 808, de 04 de maio de 1892, aprovando o novo projeto e orçamento.
Na época, a política econômica afetava a economia do Brasil[5]. A empresa não conseguiu formar capital para iniciar a obra e terminou negociando a concessão com a The National Brazilian Harbour Company, Limited, entidade organizada em Londres, na Inglaterra, por um sindicato de banqueiros e capitalistas de Londres e Paris.
Mas, no ato da aprovação dos planos e orçamento com a nova empresa, o governo modificou a cláusula que tratava do pagamento dos juros. A recompensa de 6% sobre o capital, prevista no contrato de transferência (Decreto nº 2.364, de 19 de outubro de 1896) para todas as operações feitas no exterior, que deveria ser paga em ouro, foi alterada para ser em moeda nacional (réis), gerando discordâncias entre a empresa e o Governo Federal, culminando com a rescisão do contrato e a necessidade de contração de outra firma para construção do cais do porto de Maceió.
À medida em que o tempo, para solução da questão, se passava, a situação do porto de Jaraguá ficava mais difícil. Em 1927 um banco de areia se formou na entrada do porto impedindo o acesso dos navios nas vazantes, mesmo os de médio calado. No ano seguinte, na noite do dia 25 de julho, um violento temporal desabou sobre Maceió com registros de vários sinistros marítimos: naufrágios de alvarengas e outras embarcações, perdas de mercadorias, marinheiros desaparecidos e danos nas pontes dos trapiches. Os prejuízos só não foram maiores porque algumas embarcações conseguiram se abrigar no ancoradouro da Pajussara.
Tantos males e perdas repercutiram profundamente no seio da população e a imprensa voltou a cobrar melhorias no Porto de Jaraguá. O Presidente da República Washington Luís Pereira de Souza (11/1926 a 10/1930), conforme noticiou o Diário de Pernambuco (1928, p. 2) em sua edição do dia 09 de agosto, ao tomar conhecimento dos últimos acontecimentos, afirmou categoricamente em relação à construção do cais: “Far-se-á!”.
Porém, um golpe de Estado destituiu o presidente no dia 24 de outubro de 1930. O movimento, articulado nos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, impediu a posse do candidato eleito Júlio Prestes, apoiado por Washington Luís, sob alegação de fraude eleitoral. O líder da revolução e candidato derrotado nas eleições para presidente, Getúlio Dornelles Vargas, assumiu a chefia do Governo Provisório com amplos poderes. Revogou a Constituição de 1891, governou por decretos e nomeou seus aliados para interventores nos estados brasileiros.
O Capitão do Exército Tasso de Oliveira Tinoco, que assumiu o cargo de interventor em Alagoas no dia 31 de outubro de 1931, ao tomar conhecimento das necessidades do Estado, conseguiu junto ao Ministro da Viação e Obras Públicas, José Américo de Almeida (11/1930 a 07/1934), retomar os estudos para as obras de melhoramento do Porto de Maceió.
O ministro, com parecer favorável do Departamento Nacional de Portos e Navegação – DNPN, aprovou em setembro de 1932 as novas instruções para realização dos estudos nas enseadas de Jaraguá e Pajussara.
O anteprojeto, elaborado pelo Engenheiro Cândido Lucas Gafreé e entregue em maio de 1933, foi convertido em projeto final de engenharia pelo DNPN. O local determinado para construção do porto seria a enseada da Pajussara. Os resultados dos estudos geológicos apontaram a inexistência de solo duro, facilitando a dragagem com menor custo.
O projeto previa a execução dos seguintes serviços:
Dragagem da bacia de ancoragem da Pajussara nas dimensões: 7,00 m de profundidade, 600,00 m de extensão e 500,00 m de largura;
Execução de um canal de acesso com no mínimo 100,00 m de largura no fundo;
Construção, sobre os corais, de 2 quebra-mares para abrigo da bacia. O primeiro, com extensão de 2.640,00 m, para proteger dos ventos nordeste e sudeste, partiria dos recifes da Ponta Verde e atingiria a ponta sul do recife da Barreta; o segundo, com extensão de 1.000,00 m para abrigar dos ventos sudoeste, iniciava no Recife da Marinha e atingiria o lado sul da Pajussara;
Para transportar as pedras que seriam utilizadas na construção do molhe[6] leste, foi sugerido, também, a construção de uma linha férrea, com 3,5 Km de extensão, ligando a linha da Great Western à Ponta Verde.
O projeto e orçamento das obras para instalação do porto, no valor de 11.998:000$000 (onze mil novecentos e noventa e oito contos de réis), foram aprovados pelo Decreto nº 23.458, de 16 de novembro de 1933, assinado pelo Presidente da República Getúlio Vargas.
O presidente também assinou na mesma data o Decreto nº 23.459 concedendo ao Estado de Alagoas, nos termos da Lei nº 1.746, de 12 de outubro de 1869, autorização para realizar as obras e o aparelhamento do porto de Maceió, bem como a exploração do tráfego durante o prazo de sessenta anos.
Além do projeto para construção do cais na enseada da Pajussara, o Departamento Nacional Portos e Navegação, por sugestão do consultor técnico do Ministério da Viação e Obras Públicas, elaborou um projeto para execução do porto na enseada de Jaraguá. Decisão tomada porque a bacia de ancoragem de Jaraguá tinha maior profundidade e era menos suscetível ao assoreamento.
O projeto para execução do porto em Jaraguá e o orçamento no valor de 15.000:000$000 (quinze contos de réis) foram aprovados pelo Decreto nº 23.613, de 20 de dezembro de 1933, assinado pelo Presidente da República. O mesmo decreto alterou a cláusula VI do Decreto nº 23.459, estendendo os melhoramentos do porto não somente ao projeto aprovado pelo decreto nº 23.458, de 16 de novembro de 1933, mas a qualquer outro que fosse aprovado pelo governo.
No dia 11 de outubro de 1934 realizou-se, no Departamento Nacional de Portos, a abertura da concorrência com o recebimento das cartas-propostas. Concorreram as seguintes firmas: Christian & Nielsen, Companhia Geral de Obras e Construcções S. A. (GEOBRA) e o consórcio constituído pelas empresas Companhia de Mineração e Metalurgia Brasil (COBRASIL) e Construcções Civis e Hydraulicas (CIVILHIDRO).
Decorridos 5 dias da abertura da concorrência, a comissão julgadora deu como vencedora para construção do porto na enseada da Pajussara a única firma concorrente representada pelo consórcio Companhia de Mineração e Metallurgia Brasil (COBRASIL) e Construcções Civis e Hydraulicas (CIVILHIDRO), e para construção na enseada de Jaraguá a Companhia Geral de Obras e Construcções S. A. (GEOBRA).
Coube ao Interventor Osman Loureiro decidir sobre o local para construção do cais do porto. O interventor, aconselhado por engenheiros, decidiu pela implantação da estrutura de proteção do porto e atracação dos navios na bacia da enseada de Jaraguá, por ser mais profunda e menos suscetível ao assoreamento.
Finalmente, no dia 17 de fevereiro de 1936 as obras de construção do porto tiveram início. A inauguração do porto de Jaraguá se deu na manhã do dia 20 de outubro de 1940 pelo Presidente Getúlio Vargas em companhia do Interventor Osman Loureiro, do Diretor-presidente da GEOBRA, Engenheiro Raja Gablagia; membros do Governo Estadual, da Sociedade e populares. Contudo, por falta dos equipamentos portuários, o cais, oficialmente, só começou a operar em 23 de janeiro de 1942 com o primeiro embarque de açúcar.
Vale a pena relembrar, conforme registrou o jornal Diário Carioca (1939, p. 6), em sua edição 16 de fevereiro, as palavras do General Lobato Filho, comandante da 7ª Região Militar e Guarnição do Estado de Pernambuco, que aqui esteve em fevereiro de 1939 e foi visitar as obras do Porto de Jaraguá:
A impressão que se tem de uma visita às obras do Porto de Maceió é a de um trabalho de titãs. Em toda parte os engenheiros hidráulicos têm dado combate ao mar nas margens e nas enseadas. Em Maceió esses bravos foram lutar com o mar em pleno oceano. É obra de mais audácia até mesmo que a obra do Porto do Rio Grande, na franca opinião de diletantes ou de turistas. E que beleza de ordem e precisão nos trabalhos! Quanto ao alcance comercial e econômico da obra, pode-se dizer que o aparelhamento do Porto de Maceió constitui a chave do progresso de Alagoas.
Lamentavelmente, por falta de manutenção e conservação, o porto, 15 anos após a sua construção, encontrava-se em estado deplorável. No início da década de 1960, as condições de carga e descarga assim como a acostagem dos navios eram tão precárias que surgiram, pela imprensa, notícias de que a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE cogitava em acabar ou diminuir o movimento no porto com sua transferência para Recife, em Pernambuco.
A reconstrução do porto teve início em agosto de 1966 no governo do Presidente Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (04/1964 a 03/1967). Era administrador do Porto de Maceió o Engenheiro Antônio Mário Mafra (1963 a 1976), coube à Construtora Engenharia, Comércio e Indústria S/A – ECISA a responsabilidade das obras.
No transcorrer dos anos, o porto passou por reformas e ampliações. Em 1974 foram implantados o Terminal Açucareiro e o novo Cais Comercial. Recebeu novo acesso rodoviário, enrocamento externo e uma rede de energia elétrica em 1978. Em 2011 foi construído o Cais de Contêineres (atual Cais de Múltiplo Uso), prolongou-se o Cais Comercial em 80 metros conectando-se à extremidade norte do Terminal Açucareiro, formando uma dársena[7] com 350 metros de extensão.
Em dezembro de 2021, o Porto de Maceió inaugurou e colocou em operação um novo Terminal de Passageiros. Os trabalhos foram realizados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). O local, com área total de 1.668,13 m², foi equipado para oferecer conforto e infraestrutura adequada aos turistas de navios de cruzeiro.
O porto de Jaraguá, marco histórico na economia de Alagoas, hoje vinculado à Companhia Docas do Rio Grande do Norte – CODERN, além do movimentar toneladas de carga de granéis sólidos (principalmente açúcar ensacado), líquidos (petróleo e derivados) e carga em geral, também se destaca pelo desembarque de turistas dos cruzeiros marítimos. Além disso, com a implantação da fábrica de equipamentos para plataforma de petróleo, instalada no Polo Multifabril Industrial José Aprígio Vilela, em Marechal Deodoro, o Porto se inseriu no segmento offshore[8].
BIBLIOGRAFIA
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A lucrativa exploração do pau-brasil na américa portuguesa. Artigo disponível na Internet em: http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/exploracao-do-pau-brasil/ – Blog: Ensinar História – Joelza Ester Domingues.
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